28.5.15

Temos de ser.

Aborrecem-me os rótulos de misteriosas, bipolares e complicadas. Às vezes somos só iguais, complexas na mesma medida. No limite, temos a facilidade social de expressar sentimentos de forma livre, de chorar num filme qualquer ou dizer "magoaste-me", sem que achem que somos fracas.

Aborrecem-me as histórias de vida de mulheres que vivem para um homem, obliterando o que mais preenche os dias. Ensinam-nos a brincar aos pais e às mães, mais até que às profissões, e espantamo-nos muito quando chegamos a adultas e vivemos em função de uma relação que acabou, que começou, que é isto, mas podia ser aquilo, dos planos de vida a 5 e 10 anos, encaixados em spreads, fraldas sujas e taxas de juros.

Aborrecem-me os papéis e o deve comportar-se assim. Não me lembro quem escreveu as regras, mas era certamente idiota. Nunca sei o que está off em mim, se são os talheres e a etiqueta, se é o que fazer aos braços quando falo em público, ou até o sentido de humor.
Dizem que se premeia o diferente como sendo especial, mas tentamos encaixar em algo entre o delicodoce e essa expressão ridícula que é o bem-resolvida, quando sabemos que parte do encanto reside em nunca estarmos.
 
Aborrecem-me as malas caras em olhos vazios, as conversas intermináveis de roupa, bimby's e onde fazes as unhas de gel. Em igual medida aborrecem-me os pseudo-intelectualismos e o onanismo de ego proveniente de onde se estudou, curso que se tirou ou livros que se (diz que) leu, sempre com muita propriedade e ar de que todo o universo deveria fazer vénia a tais feitos.

Aborrece-me que não possamos dizer um palavrão ou beber cerveja pela garrafa, porque não é bonito, nem fica bem. Que um pequeno decote seja estar a pedi-las, ou que um dress code diga se somos competentes. Aborrece-me essa figura social de autoridade implícita, a quem não me lembro de ter alguma vez prestado vassalagem, juramento ou coisa que o valha.
 
Aborrece-me que tudo seja um sexismo atroz, que não possamos rir de um piropo que teve piada, sob pena de manchar o rótulo de feminista. Toda a gente sabe que a feminista existe até durante o sono, 24/7, pronta a insurgir-se e a deixar os pêlos crescer, em protesto. Aborrece-me, também, que seja essa a ideia que se tem de uma mulher que luta, apenas e só, para ter os mesmo direitos, não necessariamente para ser igual.

Agora que vejo que tanta coisa me aborrece, talvez seja uma mulher muito aborrecida.

15 comentários:

  1. Este artigo merece que tragas o estendal de volta.
    Parabéns. Beijo.

    ResponderExcluir
  2. O que vejo é uma mulher que pensa por si própria, sem se desculpar por isso ou concordar com a necessidade de encaixar em rótulos ou estereótipos. E isso é tudo menos aborrecido, na minha humilde opinião.

    ResponderExcluir
  3. Que belo texto.
    Não és aborrecida de todo, és divertida e muito criativa pelo que demonstras aqui no teu blog.
    Ao ler o teu texto percebi que se por um lado sou muito feminista por outro há coisas que talvez ainda tenha um pensamento mais tradicional. Depois pensando bem percebo que não.
    Definitivamente não gosto de ouvir as mulheres a dizerem palavrões, assim como não gosto de ouvir os homens, as crianças e os adolescentes, especialmente quando o fazem a cada duas palavras.
    Não gosto de ver mulheres a beber por uma garrafa, como também acho feio os homens, tirando algumas situações de convívio íntimo, acho que se devem usar copos é por isso que eles existem.
    Com o dress code é mesma coisa, para mim é tão mau não ter bom senso na hora de vestir para uma mulher como para um homem, a agravante aqui prende-se com o facto de as mulheres normalmente terem mais sensibilidade para este tema, ou não pelo que se vê aí pelas ruas. Mas andar seminua na rua não é incitar ninguém a ter um comportamento menos próprio.
    Acho que algures no tempo se rompeu com o que era socialmente aceite e esperado de uma mulher, passamos a desempenhar um papel diferente na sociedade e ainda não soubemos ocupar o nosso lugar.
    Acho que as nossas avós e bisavós fizeram o melhor que podiam num mundo governado por homens que controlavam nos bastidores, elas sabiam até onde podiam ir e teciam minuciosamente os cordelinhos para a vida caminhar para onde queriam.
    Hoje em dia temos a liberdade de expressão, da vontade e mesmo a financeira mas não sabemos muito bem o que fazer com ela. Pregamos o feminismo na rua mas ensinamos o machismo em casa.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não defendo fazer tudo isto, mas poder fazer tudo isto, no devido contexto, sem se ser julgada.

      Na verdade ninguém conhece ninguém, alimentamo-nos todos muito de estereótipos e juízos de valor, porque temos algum umbiguismo em pensar que a melhor maneira é a nossa maneira :).
      Não é, necessariamente. Todas serão válidas, só não são quando são por um objectivo de aceitação social e não um sentimento genuíno de vivermos a vida como queremos, agindo como queremos, sem ser menos por isso.

      Excluir
  4. As mulheres continuam a sofrer bastante com aquilo que a Sociedade espera - e exige- de nós, mas, honestamente, há muitas que se deitam na cama que fizeram. Não se impõem, vão ao sabor da carneirada, vivem para a aparência.

    ResponderExcluir
  5. Digo palavrões e já ouvi alguém dizer-me "fica mal a uma mulher dizer palavrões". Mas fica mal por quê? Mas só às mulheres? Ou a todas as pessoas em geral? Quando bato com a porcaria do dedo mindinho no pé da cama, fica mal soltar uma caralhada? Devo dizer "bolas"? Isso não me diminui a dor :P

    ResponderExcluir
  6. Fonix, caralho, que belo post :P

    ResponderExcluir
  7. A mim também me aborrece e isso dá-me vontade de me isolar. Pronto, é isso!

    ResponderExcluir
  8. Preocupamo-nos muito com o que dizem e pensam sobre nós.
    Ao invés de nos preocuparmos somente em ser boas pessoas e fieis aos nossos princípios.
    E, quando se assim é, somos tipo aquela expressão "um arroz branco". Sem nada de nada.
    Temos que saber estar em sociedade, é verdade; temos de nos safar na vida, também é verdade; mas isso é acessório, não é a verdadeira razão de aqui andarmos.

    Bom post. And drink a bottle! :)

    ResponderExcluir
  9. não és nada aborrecida e ADOREI este post!

    ResponderExcluir
  10. Somos duas pessoas "aborrecidas" e ainda bem...estamos Vivas!

    ResponderExcluir
  11. É triste falarmos incessantemente do feminismo quando, na verdade, isso devia ser um dado adquirido, especialmente no mundo ocidental, o dito civilizado (o que se passa nas Arábias é algo que ainda não tem nome, com raparigas de 13/14 anos a casarem, de modo sistemático - horrendo - onde a irracionalidade impera sem controlo).

    E cada vez que o mesmo é mencionado, o tal feminismo, ou seja, todos os dias, em todo o lado especialmente na imprensa, não consigo deixar de pensar: "como é que falhámos nós, seres humanos pensantes e inteligentes, desta forma?" No sentido mais elementar da coisa, claro está.

    Posto isto, vai fazer uma sandes a todos os leitores deste blog.

    ResponderExcluir
  12. Dos melhores textos!!! Parabéns! :)

    ResponderExcluir
  13. O palavrão, a cerveja e o fumar fica mal à mulher, não se percebe porquê.

    E deves ter tanto de aborrecida como de benfiquista, Cueca :)
    Eu tanto sou "complicada" como sou histrionicamentre desastrada. É um karma qualquer que me acompanha. E acho que qualquer mulher cresce em conflito com a sua "conduta moral aceitável", com o vestido que finalmente a faz sentir-se bonita, ali aos 14, mas que suscita comentários às pernas. Ou com os cms de tecido adequados abaixo do pescoço. Tudo num misto de culpabilização e aceitação.

    A mim aborrece-me que se espere tudo de uma mulher.

    Mar

    ResponderExcluir
  14. Grande post e grande mulher : ) de aborrecida nada tens, adoro os teus posts, a maneira como te expressas e o teu sentido de humor.

    ResponderExcluir