Trauma.
Assumo já aqui que era a miúda a quem os outros nunca roubavam nada. Não porque lhes desse três calduços e meia pirueta para fora do autocarro em andamento, porque isso até poderia ser plausível se me irritassem muito, mas porque a minha marmita era sempre uma marmita triste e xoxa.
Olhava para as mini-mochilas térmicas da malta e deprimia. O que, no fundo, até era bom porque me tirava um pouco o apetite de me afiambrar à comida em 0,2s. Não era nada raro verem-me a rondar os colegas, com aquele ar de Calimero com asas (para não dizer abutre) a ver o que me caía no colo.
Os meus olhos brilhavam quando uma das mães tinha feito bolo mármore caseiro, ou bola de carne, ou rissóis, ou pastéis de bacalhau.
Os mesmos olhos que ficavam marejados de angústia psicossomática quando olhava para a minha sandes com pão do dia anterior já meio seco e uma omelete triste e desamarelada lá pelo meio.
Sei que a esta altura estão já com vontade de deitar uma lágrima, mas não cheguemos a tanto. Calma, havia partes boas: o dia anterior em que, finalmente, ia às compras com os meus pais e tinha uma pequena palavra a dizer sobre o que poderia levar. Era um evento traumático e nefasto para eles, que diziam mais nãos num par de horas do que no resto do mês. Para mim, a oportunidade bi-anual de chegar a casa em total sugar rush por ter misturado em demasia Coca-cola com filipinos de chocolate.
(estão a ouvir Coca-cola e Filipinos?! publicidade gratuita! Vá, de nada, é só pedirem a morada e coff poderemos coff chegar a um coff consenso agradável)
Afianço que a primeira coisa a desaparecer eram os doces. Todos os putos, repito, todos, chegavam à estação de serviço da Mealhada (caso a ida fosse para o Porto), ou estação de serviço de Pombal (caso a ida fosse para Lisboa) com tudo o que era Lacasitos, Crunch, Mars e afins, como diria a minha avó, delambidos.
Ou seja, a hora de almoço conseguia ser ainda mais deprimente porque já tinha comido tudo o que era "aceitável" aos olhos dos meus pares, restando-me desembrulhar devagar, e com desagrado, o papel de alumínio que envolvia o meu pão-com-alguma-coisa e bebericava aqueles zumos de uva de marca branca, que, para quem não se recorda, há 20 anos eram PÉSSIMOS e ainda hoje devem ter deixado mais mazelas gástricas que os meus piores anos académicos.
Lanço o repto a todas as mães: ninguém quer ser o puto com a comida estranha ou saudável.
Viagens de estudo são dias especiais e divertidos, que ficam na memória das crianças para todo o sempre (Olá Aquário Vasco da Gama!) por isso deixem lá os meninos levarem uns ovos Kinder (pronto, vá, e os palitos de cenoura....)
Uma vez fui com o infantário ao Jardim Zoológico, e acho que pela única vez na minha história das visitas de estudo, até levava um farnel bonzinho. Acontece que as parvalhonas das educadoras, resolveram pegar nos lanches dos putos todos e misturar tudo, e eu que em pequena era toda esquisitinha, acabei a comer uma sandes de mortadela daquela com azeitonas (que ainda hoje não gosto), enquanto outro puto qualquer comia o meu pão com chouriço e os meus croquetes.
ResponderExcluirHoje que já sou maior e vacinada, vingo-me de cada vez que tenho que levar farnel para algum lado, e agora sou a "miúda a quem os outros queriam roubar tudo", só que eu não deixo! :D
Não sei como é agora, mas calculo que se veja cada vez mais "farneis saudaveis" nos piqueniques dos putos.
ResponderExcluirMelhor só a vez em que fui a um retiro espiritual (sim, ia fazer o Crisma) e o padre decidiu que fixe fixe era não levar nada e comer um bocadinho aqui e ali do farnel dos putos. <3 (no pun intended)
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