Na nossa cabeça matamos muitas vezes os nossos pais. É o que se faz, quando se ama tanto e, simultaneamente, amadurecemos a ideia de que eles não estarão lá para sempre. Então, matamo-los precocemente na nossa mente, num desejo infantil de poder ter alguma preparação. Talvez as outras pessoas não o façam e seja só eu que tenha esta estúpida ideia de que se me focar nisto, um dia não serei uma daquelas pessoas desfeitas por dentro à frente de um caixão que encerra em si não só uma vida que já não é, mas uma parte de nós, que nunca se vai recuperar. É mórbido este exercício mental, mas à medida que o tempo avança e que a fragilidade dos nossos super-heróis se aproxima, serve-me de consolo poder dizer mais um olá carinhoso quando pego no telefone para ouvir a voz do outro lado e saber que não é a última. Aprendemos muito sobre nós nestes exercícios mentais e sobre a pessoa que os nossos pais ajudaram a moldar, muito além das falhas que possuímos à primeira vista. Eu sei que penso sempre que tenho de ser mais expressiva. Que da próxima vez vou dizer amo-te muito. Só que essa vez vai sendo adiada e substituída por um olhar, um gesto ou um abraço. Como se esse amo-te muito fosse diminuir o somatório de amo-tes que ainda tenho para dizer e eu ainda quero dizê-los muitas vezes, tantas, que deixo-o sair-me pelos poros, ao invés da boca. Sonho muitas vezes com o dia em que alguém me telefona e dá uma notícia terrível e eu choro muito e digo sempre que não quero calmantes e que não quero ajuda para organizar nada e que a minha vontade é esquecer-me que o resto do mundo sentirá a falta deles, porque eu irei senti-la muito mais. É. É mórbido este exercício do inconsciente, muito porque além de mórbido pauta-se pela estupidez de nada adiantar.
Ainda assim, adianta-me a mim, recordar-me que isto que faço não é o certo, que o certo é dizer e dizer quantas vezes me forem possíveis, de todas as maneiras que aprendi e outras tantas que hei-de inventar.
Mais mórbido ainda é, por vezes, o meu desejo que esse dia chegue depressa para eu poder ter alguma paz e liberdade. Depois vêm os remorços, porque isto é o tipo de coisa que não se deseja a ninguém, muito menos aos que amamos. :|
ResponderExcluirNão é esse o caso, mas percebo o que dizes, não é sequer uma questão de "estarei a ser má pessoa?!", mas talvez apenas uma defesa. No fundo não é isso que se quer, é apenas um pensamento que ocorre mais egoísta em momentos que nos sentimos especialmente sensíveis.
ExcluirIncrível como nos custa mais dizer que amamos os nossos pais do que a qualquer outra pessoa. Podemos fazer tudo e mais alguma coisa para demonstrar mas as palavras perdem-se...
ResponderExcluirÉ um bom exercício esse teu. Talvez o devêssemos fazer todos. Fica a dúvida: vale mais fazer o que não é certo de forma consciente, ou fazê-lo na ignorância?
Percebo e identifico-me apesar de achar que é um pouco mais complexo que isso. Mas a parte do pânico do telefone tocar é realmente assim, é até o meu único grande medo nesta vida (o de acontecer alguma coisa aqueles de quem realmente gosto). All the best.
ResponderExcluirE um dia o telefone toca mesmo, e a tua vida muda para sempre. E é uma merda.
ResponderExcluirNão há preparação possível. Um dia acontece e destrói nos. Mas acho que destruiria mais se não disséssemos esses 'amo-te' (da maneira como quisermos)
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