Natal de há 20 anos.

O pequeno pinheiro verde, cuidadosamente escolhido de entre os vários colocados encostados à Câmara Municipal. Pinheiros de verdade, numa altura em que não se ouvia falar de árvores falsas, de 50cm ou 2 metros.
O ritual passava por desembrulhar as figuras de Natal, um menino Jesus, um Rei Mago, outro, e outro, algumas ovelhas e pastores, uma estrela, sempre a minha estrela.
Musgo verdadeiro, espalhado em cama de papel colorido, adornado com luzes que faziam as delícias de qualquer olhar mais brilhante.
A avó, linda, sempre linda, no seu avental, preparando o bolo rei. A minha impaciência com questões práticas como: deixar fermentar e o seu porquê.
O avô a meter-se comigo, implicativo, a perguntar-me a tabuada, ou a numeração romana, sabendo de antemão que embora pudesse concordar com muitas coisas, como o azul e branco, jamais teria a sua cabeça para os números.
Os frascos da geleia na sala de jantar, o relógio que dava as horas e ecoava pela casa, os sonhos, a calda de açúcar, eu enfiada na mala das roupas de anjos que a minha avó costurava, os meus primos a correr desenfreados cima abaixo, a pequena salamandra metálica em que um dia preguei a testa e soltei o "ai" mais sonoro que se ouviu.
As prendas, poucas, os bolos, os meus bolos, que a minha avó cumpria como um ritual, por sabê-los os favoritos.
Os meus pais, pedindo-me para cantar, rindo do meu jeito desengonçado, da minha insistência em fazer acompanhar qualquer nota musical entoada com um passo de dança, os discos de vinil dos Onda Choc,
Era assim o meu Natal, nesses anos que pareceram imensos. Os melhores Natais, cheios de coração, de quente, de chá e torradas que nos sabem como o passado pode saber bem.
Tenho saudades deste tempo, das pessoas que deixaram de marcar lugar à mesa, dos abraços mais apertados e do tempo. De ter tempo. Daqueles pinheiros raquíticos, mais bonitos com algodão a imitar neve do que todas as Popotas deste mundo.